Fazenda Deus Dará. A tabuleta de madeira com letras azuladas, balançada pelo vento, indicava o nome da propriedade, cortada pelo traçado da nova rodovia que começava a ser construída e que hoje se constitui na movimentada e importante BR-324 (Feira/Salvador). Só que naquela época, na década de 1950, quem transitava no sentido Salvador/Feira e por ali passava, talvez jamais imaginasse que naquele local surgiria um gigantesco bairro que logo se associaria ao centro da cidade, apesar da inegável distância, hoje nem percebida por conta do milagre da urbanização.
A propriedade rural de Fraterno Eliziário de Oliveira, um bom cristão, foi uma das pesquisadas pelas lideranças da Ordem dos Capuchinhos para a sua fixação na Cidade Princesa. Outras áreas interessantes ficavam nas imediações da Estação Nova e no Ponto Central. Todavia, contribuíram para a escolha final dos religiosos a boa localização das terras, com a abertura da rodovia e, sobretudo, a personalidade do proprietário que, acessível ao projeto trazido pelo frei Germano de Colli, superior da Custódia da Ordem dos Frades Capuchinhos Menores da Bahia, fez-lhe uma inesperada contribuição: a doação de ampla área física do íntimo da Deus Dará.
Indiscutivelmente operosos, os frades italianos entraram em ação para edificar aquele que seria a grande marca da Ordem no interior da Bahia: o Convento e o Seminário de Santo Antônio, que iriam ter papel de destaque na formação de jovens religiosos, dando expansão à Ordem. Ainda com o beneplácito de Fraterno Eliziário, os capuchinhos, que ainda não tinham uma sede, ou mesmo um local para permanecer, passaram a ocupar um pequeno imóvel - uma espécie de depósito ou garagem - que fazia parte da serraria do empresário, um grande estabelecimento do gênero na cidade.
E foi nesse depósito da serraria que os religiosos iniciaram a missão de congregar fiéis e evangelizar, difundindo em passos largos a religião católica. Simpáticos, operosos e simples, logo os frades de origem italiana ganharam aceitação popular, degrau fundamental para a ascensão na comunidade, à qual não se limitava a pregações religiosas, indo bem além, com a preparação para o crescimento social, educativo e econômico da população.
Tendo à frente frei Henrique de Ascoli (hoje homenageado com seu nome em uma rua do bairro, antes Rua das Algarobas), a partir de novembro de 1951, os Capuchinhos passaram a trabalhar como dínamos para a consecução do Convento de Santo Antônio, onde, a partir de 1953, passaram a ser executados os atos religiosos até então realizados na improvisada Capela, instalada no depósito da serraria. Ainda em 1953, no mês de junho, em respeito ao calendário católico, foi realizado o trezenário da Festa de Santo Antônio, concluído no dia 13 e que viria a se consolidar, a partir daí, como uma das mais importantes romarias do estado.
No ano de 1956, dentre outros fatos significativos, houve a chegada ao Seminário do Convento de Santo Antônio de jovens procedentes de Esplanada e Salvador. O atual convento foi inaugurado em 1956 e, um ano após, foi iniciada a construção da Igreja de Santo Antônio. O trabalho da Ordem passou a ser bem divulgado pelas emissoras de rádio locais - Sociedade e Cultura - e por jornais. No final do ano de 1959 e início de 1960, os Capuchinhos adquiriram as emissoras de rádio: Sociedade (Feira de Santana), Educadora (Santo Amaro) e Rádio Emissora (Alagoinhas).
Em Feira de Santana, a Ordem não se limitou a dispor de uma emissora de rádio OM (Onda Média), hoje Frequência Modulada (FM), projetando seu crescimento a ponto de, em 1966, ser inaugurada a sede própria da Rádio Sociedade, denominada o Palácio do Rádio, por não existir similar na Bahia. A "Pioneira" passou de um pequeno transmissor de 250 watts para um potente transmissor de 10 kHz, graças à capacidade administrativa do frei Aureliano de Grottamare que, na distante década de 1960, pretendia dotar Feira de Santana da primeira emissora de televisão, razão pela qual edificou um prédio de amplas dimensões onde foi instalada a Pioneira.
Por toda essa trajetória, traçada a partir da década de 1950 do século passado, na parte Leste da cidade, onde tremulava ao vento a tabuleta da Fazenda Deus Dará, a denominação de Bairro dos Capuchinhos pode ser vista como uma homenagem absolutamente justa aos frades Capuchinhos que, com fé e denodo, transformaram parte de uma fazenda em um respeitado bairro residencial, hoje também comercial. Louve-se, igualmente, ao empresário Fraterno Eliziário pela sua contribuição.
Por: Zadir Marques Porto
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